sexta-feira, junho 22, 2018

Peguei em mim, indignei-me




PEGUEI EM MIM, INDIGNEI-ME...

Eles é que sabem...

Quem somos nós, pobres lusitanos, míseros seres ignaros,
Para contrariarmos as soluções mágicas que nos servem
E nos hão-de redimir, ao juro preciso, justo e correcto de 5,7% ?

Quem somos nós para enjeitarmos as tábuas de salvação
Que tão simpaticamente nos estendem, para que Portugal,
País quase milenar, não se afunde no lodoso pântano da indigência?

Para quê gastarmos uma fortuna a sustentar um governo,
A que chamamos nosso e a quem pagamos para nos desgovernar,
Se existe um FMI, concentrado sumo da inteligência estrangeira,
Que no decorrer duma curta visita ao rectângulo,
Para gentilmente nos pôr a mão à garganta e apertar o cinto,
Numa semana apenas, nos traça o rumo e aponta o norte?

Poderemos nós porventura correr o enorme risco
Experimentado, ao momento, pelos incautos cidadãos belgas?
Como é que eles têm o desplante de prescindir de governo durante um ano
E manter o país a funcionar?

Nós não somos capazes! Nós não podemos viver sem eles...

Acreditemos pois, pela décima centésima vez,
Nas mesma caras, nas mesmas palavras, nas mesmas propostas,
Nos mesmos pulhas, nos mesmos canalhas, na mesma súcia de bandidos.
Essa que chega ao poder com uma mão atrás e outra à frente,
E sai depois gorda, anafada, rica, a sobrenadar em euros,
E a gozar com a nossa cara de lorpas, imbecis .

Assim o queremos, assim o haveremos de ter.

Com a maior das facilidades dão-nos de bandeja as receitas certas para a crise
Cobrando-nos altos juros, penitência adequada aos nossos pecados mortais,
De termos fantasiado, por breves anos, pobres de nós,
Que éramos genuínos europeus e, portanto, ricos.
Mandões e exploradores de outros povos mais a sul
E portanto, naturalmente, mais desafortunados do que nós.
Bem feito!

Esses abutres, esses elementos das troikas da insensibilidade,
Essa corja de vendidos, sem valores nenhuns, nem pinga de moral,
Que são a vergonha da Europa e conspurcam todo o planeta azul,
Podem também ser putativos candidatos a presidentes da república,
E fazerem-se passar por socialistas, sociais-democratas e democratas cristãos.
Ao mesmo tempo, - viva o peixe - já que a carne é fraca,
Podem comportar-se como crápulas, violadores de mulheres indefesas,
Que ganham honestamente o seu salário num qualquer hotel de Nova Iorque.
Quem liga a isso? Pormenores...

Esses grandes filhos da mãe, são ao mesmo tempo imprescindíveis,
Profundos conhecedores das mezinhas certas, dos truques herméticos
Que mantêm viçosa a cor do dinheiro, esse fluido subtil que garante a nossa sobrevivência
Lubrificando a porca engrenagem da máquina que a cada dia alimentamos
E que, verdade seja dita, também nos alimenta.

Eles é que sabem dos juros correctos que deveremos pagar
Por termos experimentado inocentemente a oportunidade única
De saborear, por breves momentos, a ilusória vertigem de sermos ricos,
Enquanto a enorme bolha bolsista, soprada por engravatados vigaristas,
Inchava. Inchava de volume, inchava de activos tóxicos
E flutuava imponderável nos céus azuis da finança internacional
Para vir depois rebentar, inopinadamente, na nossa cara.
Catrapum! Assim. Sem dó nem piedade.

É pois tempo de vertermos algumas lágrimas e de recearmos o dia de amanhã.
Mas deveríamos e poderíamos também rir-nos até às lágrimas,
Na cara dos que nos tramaram a vida e que agora nos imploram votos.

Por que não proporcionar-lhes, em vez dos ditos votos,
Mil milhões de manguitos, servidos de borla e sem juros?

Esta seria a nossa contribuição generosa.
Dos que levaram o país à ruína
Após se terem aboletado,- os sem vergonha-,
Com salários de miséria e com opíparas reformas
De duzentos euros mensais!


Lisboa 2011-05-15

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