sexta-feira, setembro 29, 2006
DANÇA COMIGO
Dança comigo, morena
Leveza de pena
Esta dança breve
Dança e rodopia
Solta-me a alegria
De quem nada deve
Acende-me, a cara, o rosto
Os lábios de mosto
Riso de marfim
Requebra a cintura
Que és a criatura
Nascida pr’a mim
Coro:
Vamos, a dança é louca
Dá-me a tua boca
Que este beijo é meu
Dança comigo amada
Eu já estou na escada
Que me leva ao céu
Ao som da concertina
(Cinturinha fina
Pele de cetim)
Dança meu amor
Não sei doutra flor
Que bem dance assim
Dança com fantasia
No fim deste dia
Que se vai embora
No passo da vida
Dancemos querida
Que é a nossa hora
Aníbal Raposo
Lisboa
2006-09-26
CANTIGA DOS CANTOS
Canto do meu quarto, casa da fajã
Cantigas de melro - acorda é manhã
Cantos de trabalho são cantos que gravo
No canto da memória há trabalho escravo
Minha avó cantava à luz da candeia
Dez cantos ao luso são uma epopeia
Num triste cantar canta o indigente
A cantar de galo anda muita gente
P’lo canto do olho vi luzir adagas
Com cantos te canto e com mal me pagas
Leves são cantigas que as leva o vento
Canta e ri comigo que é sempre momento
Há cantos de enganos, cantares de bandido
Cantos de sereia, já fui iludido
Com cantos guerreiros eu brandi a espada
No canto da vida, numa encruzilhada
Num doce cantar o meu mal espanto
Com cantos e rezas que benzo o quebranto
O da meia-noite dizem ser excelente
Se é depois das dez já me põe doente
Com mavioso canto a moral me pregas
Sabes bem cantar mas já não me alegras
Foi com cantochão que vendeste os céus
No canto do cisne já te disse adeus.
Aníbal Raposo
Aeroporto de Ponta Delgada
2006-09-25
quinta-feira, março 02, 2006
NADA A DECLARAR
Após longa viagem, fatigado
Tendo mesmo acabado de aterrar,
Fui eu, portas saindo, perguntado
Se não havia nada a declarar.
Declaro um grande amor feito em pedaços
Arrastado pelas ruas da amargura
Que quer sobreviver a mil cansaços
E a muitas ilusões contranatura
Declaro que, apesar de alguns desmandos,
Não sou homem de viver quentes paixões.
Confesso não ser dado a contrabandos
Nem saber traficar com emoções.
Declaro que vivi, serenamente.
Que amei da forma que sabia amar.
Confesso que falhei, redondamente,
No que era o tempo e a forma de o expressar.
Declaro um grande amor, de mil matizes,
À minha companheira, às minhas filhas,
E não sobreviver sem as raízes
Que me prendem ao chão destas nove ilhas.
Declaro, se isso faz algum sentido,
E sem qu’rer implorar pena de mim,
Que voei meia viagem distraído
E não cuidei das flores do meu jardim.
Mais declaro que trago na bagagem
O desgaste natural que o tempo faz.
Confesso que no fim desta viagem
Só queria um doce abraço e alguma paz.
Declaro que amo a paz, mas vou à guerra,
E quero declarar, por ser verdade,
Que o grande amor que tenho a esta terra
É o mesmo que dedico à liberdade.
Por tudo aquilo que há de mais sagrado
Apesar de parecer diferentemente,
Tendo eu o vil ferrete de culpado
Declaro, mesmo assim, ser inocente.
E quanto ao que me estava a perguntar,
Declaro nada ter a declarar.
Aníbal Raposo
2003-06-11
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