sexta-feira, outubro 31, 2008



COLECCIONANDO ESTRELAS

Em vez de andares a vasculhar
Por entre as teias do sótão do ressentimento,
Aproveita o dia...

Deixa este sol de Outono
Acariciar-te a cara e diz:
Estou vivo!

Põe-te a escrever as canções que faltam
No teu sonhado álbum branco:
O luminoso.

Tu sabes bem que é na lua nova
O tempo certo para se coleccionar estrelas.

Põe as palavras de amor
A vibrar na frequência exacta,
Como se tentasses afiná-las
Pelo sagrado diapasão do universo.

E lembra-te que o poema mais sublime
Tem o tom do que é e faz sentido.

Ponta Delgada 2008-10-31
Aníbal Raposo
Dali - A persistência da memória

VENTOS DA MEMÓRIA

E de repente surgem, nos ventos da memória,
Vertendo os rios do meu olhar fora do leito,
Detalhes tristes, os mais cruéis da nossa história. 

O coração cobarde salta, quer fugir do peito.

Ponta Delgada, 2008-10-31
Aníbal Raposo

domingo, outubro 26, 2008



ATREVIMENTO

No que ao manejar
Das palavras diz respeito
Tenho o atrevimento
Do feiticeiro aprendiz.

Não tenho escola,
Apenas sinto.

Depois,
Tento escrever como respiro.

Aníbal Raposo
Ponta Delgada, 2008-10-26

sexta-feira, outubro 24, 2008



DE COMO CANTAR O QUE EM TI AMO

Quero dizer o meu amor por ti
Com aquela entoação viva e perfeita
De quem ao declamar sente o poema.

Cantar a nossa doce relação,
Como se ela fosse o mais inspirado tema
Que alguma vez sonhei e produzi.

Pintar a tela enorme, nossa vida,
No cavalete instável das certezas 
Com as cores harmoniosas dos teus gestos.

Esculpir a imagem bela do nosso entendimento
Com a delicadeza daquele que trabalha
A golpes de cinzel a pedra dura.

Ponta Delgada, 2008-10-24
Aníbal Raposo

domingo, outubro 12, 2008



PARA QUÊ OS OLHOS TRISTES

Para quê os olhos tristes ?
Porque não ris para mim ?
As amarguras da vida
Nunca se curam assim...
Para quê os olhos tristes ?
Porque não ris para mim ?

Pés no chão! Cabeça erguida!
Para o bom e pró ruim
Que as amarguras da vida
Sempre se vencem assim
Pés no chão! Cabeça erguida!
Dá um risinho p' ra mim...


1982
Aníbal Raposo

sexta-feira, outubro 10, 2008



UMA IMAGEM NO ESPELHO

Quem pensas tu que és,
Ridícula imagem reflectida no espelho?

Ris-te?

Porque tentas tu, sem sucesso
Fazer-te passar por mim?

Eu sou livre e voo sempre que posso. 
Sinto o vento na cara
Quando parto para essas viagens solitárias
Por cima dos telhados da cidade.

Viajo numa envolvente de quatro dimensões:
As três do costume mais a da poesia,
E tenho todas as palavras e letras para comprar
No grande hipermercado das emoções à solta.
 
Tu porém, indigente imagem, 
Estás refém, das letras: x e y
As que definem os dois eixos do plano espelhado
Que é, em simultâneo,
Tua morada e cárcere.

Fazes-me lembrar um velho holandês
Que usa roupas esquisitas
E um grande brinco na orelha,
Num esforço inglório para sobressair
Na extrema monotonia
Da infindável paisagem plana,
Olhar de toda a sua vida.

Pobre de ti, reclusa imagem...
Ris-te apenas quando me acho graça
E choras só quando tiro a máscara
Ou me descontrolo.

Lisboa, 2008-10-09
Aníbal Raposo