quinta-feira, março 02, 2006



NADA A DECLARAR

Após longa viagem, fatigado
Tendo mesmo acabado de aterrar,
Fui eu, portas saindo, perguntado
Se não havia nada a declarar.


Declaro um grande amor feito em pedaços
Arrastado pelas ruas da amargura
Que quer sobreviver a mil cansaços
E a muitas ilusões contranatura

Declaro que, apesar de alguns desmandos,
Não sou homem de viver quentes paixões.
Confesso não ser dado a contrabandos
Nem saber traficar com emoções.

Declaro que vivi, serenamente.
Que amei da forma que sabia amar.
Confesso que falhei, redondamente,
No que era o tempo e a forma de o expressar.

Declaro um grande amor, de mil matizes,
À minha companheira, às minhas filhas,
E não sobreviver sem as raízes
Que me prendem ao chão destas nove ilhas.

Declaro, se isso faz algum sentido,
E sem qu’rer implorar pena de mim,
Que voei meia viagem distraído
E não cuidei das flores do meu jardim.

Mais declaro que trago na bagagem
O desgaste natural que o tempo faz.
Confesso que no fim desta viagem
Só queria um doce abraço e alguma paz.

Declaro que amo a paz, mas vou à guerra,
E quero declarar, por ser verdade,
Que o grande amor que tenho a esta terra
É o mesmo que dedico à liberdade.

Por tudo aquilo que há de mais sagrado
Apesar de parecer diferentemente,
Tendo eu o vil ferrete de culpado
Declaro, mesmo assim, ser inocente.

E quanto ao que me estava a perguntar,
Declaro nada ter a declarar.


Aníbal Raposo
2003-06-11