quarta-feira, março 21, 2012


POESIA

Por vezes vêm assim,
desgovernadas.
Caem às catadupas
e com o estrondo
de derrocadas sísmicas.
Trazem dentro de si
a fúria das cheias que saltam
dos leitos das nossas convenções
e riem-se, como loucas,
da sua indigente polidez.
São ventos ciclónicos,
erupções vulcânicas,
ondas alterosas.

Porém, doutras,
são doces e meigas.
Surgem de mansinho
belas, sedutoras
mulheres de vermelho.
Conquistam-nos a alma
e tomam-nos o corpo.
Afagam-nos as vaidades
como se acariciassem
tapetes de musgo verde
por entre criptomérias.

São imprevisíveis
as palavras...

E por assim o serem,
deverá o poeta
manter-se vigilante
para as receber a qualquer hora.
Abri-lhes-á as portas
Da enorme sala das emoções.

Inventará depois a melodia
e em compasso ternário
dançará com elas, enamorado,
a etérea valsa da poesia.

Aníbal Raposo
Ponta Delgada, 2012-03-21 

segunda-feira, março 19, 2012


















DIA DO PAI

Também vos fiz,
Com muito amor,
Feliz, em fogo ardente.

Vi-vos medrar
E amei-vos sempre.
Bem sei que às vezes
Distanciado,
Mas não consciente.

Depois cresceram...
E tal como acontece
Na natureza
A cada passarinho,
Tiveram de voar,
Buscando
Outros lugares
E horizontes,
Sair do ninho.

E ao partirem
Soltou-se um vento
Inesperado
Vindo do norte.
E foi tão forte
Que o nosso barco
Quase adornou
No mar revolto.

A vida é assim...

Às vezes, filhas,
Só conhecendo
O inesperado sabor
De cada lágrima
Nos encontramos,
Achamos porto.

Hoje tranquilo
Numa das pontas
Deste triângulo
Do mar oceano:
Bissau, Lisboa, Açores.

Estando mais longe,
Quase vos toco
E vos abraço
Meus dois amores.


Aníbal Raposo
Ponta Delgada, 2012-03-19   

domingo, março 18, 2012














RAÍZES

Da vida, entre certezas e desnortes,
Aprendi, não sem sofrer, uma lição:
Por vezes as raízes são tão fortes
Que nos prendem bem mais que o coração.

Aníbal Raposo
Praia da Vitória, ilha Terceira, 2012-03-18

segunda-feira, março 12, 2012



















(Pintura de Graziela Teixeira da Mota)


ELÉTRICO DO PORTO

Paravas-me mesmo à porta
Naqueles longos dias
Em que o tempo inclemente
De tão jovem que era
Tinha tanto tempo.

Por vezes sem fim
Despertei ao som familiar
E estridente dos teus freios.
Na hora e no lugar
De concretizar
Sonhos sonhados.

Nave amarela
Plena de almas quentes
Rasgando a bruma fria
E invernal da Invicta.
Largada em Matosinhos
Pr'a fundear à Batalha.

Nesses tempos de penúria
Dependurado em ti
Desafiei sorrindo
Em equilíbrio instável
As leis da gravidade
E dos trincas a raiva.

Na lembrança do ozono
Dos teus breves relâmpagos
Ainda hoje o odor da juventude.

Aníbal Raposo
Évora, 2012-03-12

sábado, março 10, 2012

















ENVELHECER

Ao caminharmos para o ocaso desta vida,
Na calma espera daquela outra que há de vir,
Estejamos gratos pela lição aprendida
Guardemos tempo, do que resta, p'ra sorrir.

A vida é curta irmão, são só breves instantes
Em que se encerram muitos anos, muitos meses.
Perto do fim devemos estar mais tolerantes,
Não vimos nós o mesmo filme várias vezes?

De quando em vez vem-nos a falsa sensação                  
Que a vida é um rio e na passagem tudo arrasta.
Viver é bom, mesmo sabendo de antemão
Que ela é tão curta e bastas vezes é madrasta.

Sábio será quem é feliz e amigos tem,
Já que eles são quem nos conforta na viagem,
Não alimentes malquerenças com ninguém
Pois todos nós estamos cá só de passagem.

Este problema que hoje tens e que te arrasa
Dentro de anos não será o que parece.
Sê paciente contigo mesmo e lá em casa
Dá tempo ao tempo, tudo é vão, tudo se esquece.

E apesar de estares cansado e ires p'ra velho
Se gostas mesmo, muito mesmo, de viver,
Aqui te deixo, amigo meu, este conselho:
Ama o que é útil, o que é bonito e dá prazer.


Aníbal Raposo
Ponta Delgada, 2012-03-10