segunda-feira, janeiro 29, 2024


FRONTEIRA

Nasci no campo, em anos sem fartura,
De gente simples, séria e de bom nome
E não tenho desses tempos amargura,
Viver com pouco é arte, não é fome.
Levava em cada dia na sacola
A pedra, o livro, o lápis e o pião,
O justo e o certo pra levar à escola.
Se queria pé na bola, pé no chão.
Brincadeiras mil,
Sonhos de criança,
(No rosto uma esperança,
Verde e azul anil),
Que cedo aprendeu,
A viver com o fito
De olhar o infinito
As luzes do céu.
No fim do mundo nunca me perdi,
Voltei às ilhas sem sumir o norte.
Olho pra trás e é bom ver o que ergui
Agora que repouso, doutra sorte.
Já muito naveguei e anseio mais.
O globo palmilhei, por muita estrada.
E não pretendo apodrecer no cais,
Por isso, às vezes, penso na largada.
Sabes, meu amor,
Sei que a vida é bela,
Mas mesmo uma estrela
Perde o seu fulgor.
No fim da viagem,
Há deslumbramento,
Chegado o momento
Certo da passagem.
(No aeroporto de Ponta Delgada
a aguardar voo para o Porto)
Aníbal Raposo

DESTINO

Dizem que o fado é uma estrada
Que temos pra caminhar.
Uma carta descartada
Dentro dum jogo de azar.
Que pode ser um mistério,
Dar abrigo à fantasia.
Um enorme caso sério
Numa explosão de alegria.
E encarnar a beleza,
Que nos deslumbra o olhar,
Numa conversa surpresa
Servida, à noite, ao jantar.
Ser um sonho, golpe de asa,
Batida em céu de utopia.
Uma centelha da brasa
Do lume da fantasia.
Vir vestido de loucura
Que não podemos travar.
Se for viagem, aventura,
Quero o meu barco no mar.
Pode ser rumo traçado
Carta de mar inaudita
Pode ser fado chorado
Ou roda de Chamarrita.
Aníbal Raposo
2024-01-17